Rommel Werneck
"Quem teria graphado os pagãos agroglyphos? / A resposta direi, mas assusta-nos: ELLES!"
Textos
CRÍTICA AO MERCADO DE TRABALHO parte 1
Enfim, decidi escrever sobre o assunto após muito tempo de silêncio. Como professor e profissional, sinto-me obrigado a escrever, não é possível que eu seja a única pessoa a pensar o mesmo.

Esse artigo não pretende ser mais um texto do politicamente correto esquerdista, pelo contrário, é a favor do capitalismo para que possamos crescer juntos. Não é, portanto, mais uma luta contra o sistema, mas sim um combate ao puritanismo que invadiu o mercado nas últimas décadas.

Por puritanismo entenda a burrice em acreditar em certo X errado fora de contexto. Por exemplo, no grande mito da qualificação: exigir inglês fluente de um médico é burrice! Um hospital ganha muito mais exigindo cursos na área do que algo que em nada ajudará. Enfim, exigência é fundamental e deve existir sim, mas essa exigência precisa ter lógica!

Quando eu tinha dezessete anos, estudei em oficinas de Marketing Pessoal, várias ministradas por uma instituição de estagiários. Tudo era muito lindo, colorido, mas a realidade da vida era outra! Então, descobri o óbvio, mas que eu não via: que muitas coisas eram, na verdade, mitos, verdadeiras mentiras! Meu plano é descrever os mitos  e argumentar mostrando o como carregam conceitos errôneos. Tentarei ser o mais breve possível mesmo sendo impossível já que cada tópico merece uma dissertação de mestrado.


1. “O MERCADO VALORIZA A QUALIFICAÇÃO”


Mentira. Para início de conversa, o termo qualificação é feio, soa como se um curso fosse me tornar uma “qualidade”, mas isso se consegue no estudo do curso, não é necessariamente no curso.
Onde o mercado valoriza o estudo? Como já foi dito e reiterando: o mercado está mergulhado no puritanismo e na aleatoriedade. A partir do momento em que um concurso público coloca informática como requisito para a vaga de gari (sim, isso existe aqui em SP), está deixando de exigir outros requisitos muito mais importantes! Poder-se-ia, por exemplo, exigir conhecimentos geográficos da cidade para tais pessoas executarem um trabalho melhor. É aí que quero chegar: se o mercado exigir menos atributos inadequados e mais utilidades, todos nós temos a ganhar!

Ainda sobre estudo, onde o mercado valoriza estudo? Alguma empresa está realmente valorizando quem estudou Astronomia? Se um adolescente atrás do primeiro emprego é interrogado sobre que curso superior pretende seguir, ele deve tomar cuidado, se abrir a boca e dizer Física ou Letras, já elvis... quem vai querer uma pessoa culta?
E sim, estamos vivendo num senhor processo de desintelectualização, ao começar pela própria área de RH em que 90% dos livros atuais são de autoajuda e dizem conceitos vazios, os mesmos que estou criticando aqui.

E o que dizer dos “rituais de iniciação”? Quem vai estudar se o primeiro emprego com registro deve ser religiosamente o telemarketing ou o McDonalds? Que professor vai estudar durante a faculdade se a única experiência “válida e reconhecida” é a aula no estado? Enfim, são muitas incoerências!

O estudo é tão desvalorizado que a polivalência é vista negativamente. Conheço muitos escritores que são médicos, engenheiros, professores, mas o mercado jamais leva isso em consideração. Eu mesmo sou escritor, estudei Desenho de Moda e Letras e descobri que:

- Moda é visto como futilidade e não como uma carga cultural apesar de todos os meus conhecimentos acerca de Teoria e História da Arte virem de tal curso;
- Letras: apesar de a faculdade falar em muitas áreas de atuação, a única é o magistério.


A única conclusão que posso chegar nesse tópico é que somente algumas áreas do conhecimento são valorizadas e mesmo assim naquele puritanismo e burrice que comentei, quer dizer, ser inteligente só atrapalha pelo simples fato de que muitas vezes somos selecionados por instrutores péssimos.  Além do mais, isso movimenta a indústria das microlins da vida.


2. “O MERCADO TEM MUITAS VAGAS, MAS HÁ POUCOS PROFISSIONAIS QUALIFICADOS”


Resumo da ópera: ninguém contrata porque os trabalhadores são burros. Será? Olha só a falácia do pensamento. Se há tanta incompetência, por que as vagas são preenchidas? Sim, porque nenhuma empresa vai ficar com a vaga em aberto durante um ano à espera do príncipe encantado.

Outra coisa: onde estão tais vagas? Se fossem tantas assim, o jornal --- que possui cada vez menos anúncios ---- teria vaga para todas as profissões do mundo, até de carpideira.

E o que dizer então das generalidades estatísticas? Afirmar que há muitas vagas é genérico demais, onde estão essas pessoas que afirmam isso devem desconhecer a diferença entre o estado de São Paulo e Rondônia. Cada estado brasileiro possui suas particularidades e suas economias, é bom estudar e se informar. São Paulo é a cidade mais populosa do continente inteiro, supera a Cidade do México e Nova York, tudo aqui deve ser pensado em triplo, em quádruplo.... não é possível que não haja desemprego aqui.

E o que dizer então da área pública com tão poucos concursos e tão poucas vagas!


3. IDIOMAS

Esse é um ponto muito importante. Como professor de português e inglês, posso falar com propriedade. Diz-se que “o mercado valoriza quem domina inglês”. É fato, mas e daí? É evidente que a fluência em língua estrangeira é importante, mas jamais deveria ser requisito em empresas que não comercializam nem com a Argentina, vai comercializar com as Falkand?

Em tempo, é necessário ter uma visão realista da empresa, se eu nunca tive cliente do Paraguai, vou lá eu fazer de conta que tenho cliente nos Stades? Menos é mais!

E a língua portuguesa? Algum processo seletivo hoje coloca o domínio da língua portuguesa como requisito? Deveria! Não estou propondo uma prova de Sintaxe na seleção, mas sim que noções fundamentais sejam consideradas como domínio da ortografia, redação (não aquela baboseira “fale sobre você” e sim uma redação sobre o ramo da empresa) e argumentação (que provém da leitura e da língua e não do “dinamismo e otimismo do vendedor”). Alguém ainda tem dúvida sobre o como o domínio de português é essencial?


4.  ENTREVISTAS MAL-FEITAS

Obviamente, a entrevista de emprego é conduzida pelo entrevistador, disso não temos nenhuma dúvida, mas parece que algumas pessoas possuem dúvidas sim. Muitas vezes já fui a entrevistas cujo entrevistador dizia: “Ah pode começar”. Começar o que?? É ele quem tem que ter um plano de perguntas, estratégias, verificar as possibilidades, o que será melhor para a empresa, o que ela necessita etc.

Mas não é nada disso que vemos. As entrevistas -  quando ocorrem, porque realmente estão ficando raras -  duram pouquíssimo tempo, no máximo dez minutos. Por quê? Como você coloca um estranho na sua empresa, na sua sala com os seus documentos?

Não estou defendendo que uma entrevista dure um dia todo, não é isso, mas uma boa entrevista deve durar uns trinta minutos no mínimo. É essencial conhecer bem o candidato, conversar sobre as experiências anteriores, sua formação, as atividades que serão executadas etc etc etc. Enfim, deve-se evitar perguntas idiotas do tipo: “Você trabalha bem sobre pressão?” “Você trata bem os clientes” “Você gosta de pessoas?”

Nos cursos de Marketing Pessoal fala-se muito de perguntas como “Como você se vê a longo prazo (5 anos)?”. Essa pergunta, por exemplo, até é interessante, mas se o entrevistador faz aquela entrevista de cinco minutos e não pergunta, não adianta nada. Eu mesmo nunca fui questionado sobre o assunto.


5- DINÂMICAS DE EMPREGO


Algumas dinâmicas são interessantes, mas não substituem a entrevista que é um item sob medida, personalizado e elimina quaisquer dúvidas. Dinâmicas do tipo “que animal você seria?” jamais devem ser aplicadas, é algo ridículo demais e não serve para nada, além do mais o tempo é precioso, precisa ser investido em utilidades como uma entrevista ou uma dinâmica decente. Esse tipo de mecânica, quer dizer, dinâmica é igualzinho ao que Hitler fez com os judeus nos campos de concentração.

Uma vez fui num processo seletivo de uma livraria famosa daqui de São Paulo para ser atendente. A dinâmica era contar um livro que já leu, foi muito divertido, trocamos experiências e era uma forma de testar a persuasão do vendedor. Acontece que não houve entrevista, onde ficam nossas experiências e cursos?


6. O MERCADO DE TRABALHO VALORIZA QUEM LÊ.

É um absurdo tal afirmação. É mentira e das grandes! “O mercado valoriza o hábito da leitura e o entrevistador pode, inclusive, questionar qual o último livro que você leu.” Isso nunca existiu! Nunca fui indagado sobre o que li e nunca nenhum entrevistador observou e analisou se a pessoa que está aguardando ser chamada está lendo ou não.

No entanto, muitas oficinas de Liderança e outros lixos dizem o oposto e até recomendam evitar dizer que se lê literatura. Quanta burrice!!!!!!

7. BOA APARÊNCIA

Novamente farei o máximo possível para ser breve, apesar da amplitude. O critério subjetivíssimo boa aparência é discutível e amplo demais para se resumir em X padrão ou Y padrão tal como se tem falado. Vou dividir em partes.

Trajes: Preza-se pelo bom senso, trajes sociais e discretos sim, mas sem exageros e puritanismos. Já tive que escutar numa dessas oficinas de uma instrutora que “o sapato social deve estar brilhando”, “o bom candidato evita estar todo de preto, pois eu ouvi que em novela os vilões usam preto, passa a ideia de pessoas do mau”. Gente, isso pode? Pela Santa Paciência, que Santa Ignorância é essa?? “pessoas do mau”, “novela”, quanta burrice! Ninguém quer ir gótico trabalhar, mas tais diretrizes são horrendas.

Outra coisa sobre roupa. É impressionante o como não se evolui no mercado de trabalho, somos obrigados a nos vestir sem muitas opções. Novamente comentando, sempre prezarei pela decência e formalidade no vestuário, mas esse puritanismo na forma de vestir é tão berrante que a própria moda não muda, há anos usamos as mesmas roupas no trabalho, precisamos evoluir!

Tatuagem: eu não tenho tatuagens e não gosto, mas respeito sim! Se a pessoa tem uma tatuagem no dedo do pé isso é doença?? Esse preconceito é horrível.

Fumo: a mesma situação. Não fumo, nem quero, mas acho horrível satanizar quem fuma.

Modéstia: Fala-se absurdavelmente em “pluralidade cultural”, “diversidade” nas empresas, porém e daí? Uma muçulmana não pode usar véu, o judeu de barba é considerado nojento e a protestante que quiser usar saias também é desrespeitada. Isso é diversidade ou racismo hipócrita. Ninguém está propondo o ridículo e incoerente: que uma muçulmana vá procurar emprego usando véu numa loja de biquíni. Não é isso, mas para trabalhar nas outras inúmeras funções a pessoa não pode?

O mercado de trabalho é tão satânico que tanto conservadores como mentalidades modernosas concordam nessa parte!

Beleza. E o mesmo digo sobre beleza. Alguém ainda tem dúvida que a beleza e a vulgaridade são os critérios de seleção?  


8. PENSAMENTO POSITIVO.

É impressionante como se exagera nisso. Todos queremos a felicidade, o dinheiro e amar o próximo, mas esse exagero de “busca ao sucesso”, “liderança’, “empreendedorismo” e outros blábláblás nada ajuda, só atrapalha.

Não vamos cometer suicídio e maldizer a vida, é justamente o oposto disso, mas que também é o contrário de achar que tudo vai dar certo. Enfim, precisamos ter uma visão REALISTA do mercado, da vida e do estudo. Não adianta nada achar que tudo vai dar certo e ponto final.
Muitas empresas estão cometendo grandes erros por conta disso. Como se não bastasse almejar o funcionário perfeito, ainda não usam o bom senso para captar clientes. Quantas lojas resolvem contratar funcionários no fim de ano mesmo não precisando? Poucas lojas podem se dar ao luxo de crescerem seus lucros em dezembro e janeiro, já vi lojas localizadas em plena 25 de março que não conseguem vender nada nos 12 meses do ano, menos ainda nos meses que deveriam ser produtivos.

O mesmo digo para a profissão de telemarketing tão idolatrada hoje. Conheci uma dona de Buffet que queria contratar operador de TLMK para a empresa. Pra quê? Jogar dinheiro fora? Muitas empresas jamais deveriam ter Call Center porque é desnecessário no caso delas. Muito triste saber que a administração está seguindo modismos. Falta lucidez!

E tem mais: a área de vendas está muito ruim por conta disso. A empresa não investe em publicidade, nem qualidade do produto, na adequação do preço e na criatividade de promoções. Quer dizer, ela esquece dos quatros pês do Marketing, o óbvio! Todo o mundo deveria saber disso, oras. Não depende somente de um vendedor e do “otimismo”. Otimismo não enche barriga!

O dia que as empresas compreenderem tais erros talvez comecem a ganhar dinheiro.


9. “UM CURRÍCULO DEVE SER BEM ELABORADO”

Relativo. De fato, um CV (currículo vitae) deve ser bem elaborado, mas como eu já comentei muitas empresas sequer olham para o currículo, rasgam alguns e outras exigem foto (não é mais econômico e prático chamar para a entrevistar e ver se a pessoa é bonita ao vivo?)

Um CV deve ser bem confeccionado, mas sem seguir os mitos de workshops. Já escutei que “estudantes de moda e publicidade” devem investir em currículos com fontes diferentes e coloridas para demonstrar criatividade. Graças a Zeus nunca acreditei nisso, mas também não condeno quem acreditou em tal lorota.

Também já escutei que “o TCC deve ficar exposto no CV para valorizar a formação”, outra baboseira. Se nem Mestrado e Doutorado são valorizados e pesam no currículo, não vai ser o TCC que vai ajudar, pelo contrário, limita mais ainda a área de atuação.


10. “O MERCADO DE TRABALHO VALORIZA O TRABALHO VOLUNTÁRIO E ESTÁGIO”


Mentira! A única experiência que as empresas estão considerando válidas são as registradas em carteira. Mesmo que você comprove seu trabalho na igreja, na associação de bairro ou o estágio exigido pela faculdade, em nada compensa. Há uma fixação enorme por carteira de trabalho e uma hipocrisia em elogiar o voluntariado. É horrível isso porque são experiências validíssimas.


QUERIA DIZER MAIS, MAS...

Queria escrever mais sobre o assunto, mas para o texto não ficar muito cansativo e nem atingir o limite do recanto das letras, optei pela divisão em partes. Eu não queria fazer isso, mas o assunto é tão amplo e a revolta é tanta que farei isso.


Como se pode ver o problema do desemprego envolve muitas questões, é um assunto muito amplo e discutível para se limitar a “o mercado tem muitas vagas, mas há poucos profissionais qualificados”. E será através da lucidez que vamos conseguir mudar todo esse lixo.


Em breve, escreverei a segunda parte.

A SEGUNDA PARTE JÁ ESTÁ DISOPONÍVEL AQUI MESMO. BASTA IR EM TEXTOS> ENSAIOS e selecionar a parte que deseja ler


ROMMEL WERNECK





Rommel Werneck
Enviado por Rommel Werneck em 29/02/2012
Alterado em 13/04/2012
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